segunda-feira, 9 de setembro de 2013

PERFIL - LEGADO DE FÉ


Sentindo-se mal e sem saber o porquê, a jovem Raimunda procura em todos os lugares - de centros espíritas a consultórios médicos - o motivo de seu mal estar. Descoberta sua tuberculose, o que mais a incomodava não era a doença, mas o fato de que, aos seis meses de gestação, seu bebê não dava sinais de vida. Até que numa quarta-feira à noite, como faz questão de frisar, atendeu ao chamado de um amigo e visitou uma Igreja Adventista do Sétimo Dia. Naquele dia, do ano de1969, ela fez um pedido a Deus: Se Ele a curasse ela se tornaria uma cristã.


 Na manhã seguinte, pela primeira vez sua barriga mexeu e não parou mais. “Antigamente, a gente não tinha relógio, mas o Curtume Campelo soava um apito exatamente às 11h30 indicando a hora do almoço para os funcionários. Naquela quinta-feira, quando o apito soou minha barriga se agitou tanto que eu pensei que era um menino. Eu nunca vou me esquecer”, relata olhando a foto da terceira filha Jucilene Gama, hoje com 40 anos.


Nascida e criada em Curaçá (BA), segunda de sete irmãos, Raimunda Nonato Gama dos Santos, de 62 anos, nunca estudou ou freqüentou a escola. Por ter sido muito pobre, ainda pequena teve que trabalhar para ajudar no sustento da família. O pouco que sabe da arte da leitura aprendeu ano mais tarde para conseguir ler a Bíblia sozinha. Seu limitado estudo, no entanto, não a impediu de entrar para a história de uma religião que se tornaria tão presente na cidade de Juazeiro.


Com 16 anos de idade, casou-se com o então pedreiro José dos Santos, nove anos mais velho. Santos amava tanto a esposa que não suportava dividi-la nem mesmo com os filhos que logo vieram, e isso se tornou o único motivo das discussões entre os dois. Ao saber da promessa que a mulher fizera na gravidez sem consultar sua opinião, ele não questionou nem hesitou. E tratou logo de cumprir o prometido, convertendo-se à fé adventista, religião que na época, não era bem vista na cidade.


Sua mãe, de quem herdou o nome, não aceitou sua decisão. Católica desde criança, embora não praticante o que menos queria em sua casa era uma evangélica, principalmente alguém que guardasse o sábado.  Entretanto, a resistência da mãe não abalou a convicção de Raimunda.


Decorridos seis anos de matrimônio e mãe de cinco crianças, Raimunda procurou emprego em São Paulo. O emprego, que já era difícil, tornou-se quase impossível para os guardadores do sétimo dia. “Quando Zé arranjava trabalho não revelava que era adventista. Ele trabalhava a semana toda e na sexta-feira dizia que não ia ao sábado e, então, era despedido”, conta Raimunda. Essa situação se repetiu por meses. Embora sem dinheiro e sem emprego sua crença em Deus continuava inabalável e seu único medo era que seu esposo fraquejasse e desistisse da guarda do sábado o que, para sua satisfação, nunca aconteceu.


Em uma época de grandes dificuldades financeiras, agravadas pela observância do sábado, surgiu a idéia de trabalharem por conta própria. Enquanto o marido foi ser empreiteiro de obras, Raimunda cuidava de uma banca de frutas na feira de São Paulo. Contudo não tiveram sucesso. “A casa sempre cheirava a podre, porque eu fechava a banca na sexta-feira levava as frutas para casa e só reabria de novo na segunda”, lembra.


De volta a Juazeiro depois de sete anos em São Paulo, Raimunda, sempre acompanhada da filha mais velha, Juscelita Gama, começou a vender confecções em Curaçá e nos projetos de Juazeiro e Petrolina. Com o sucesso das vendas, eles se tornaram pequenos comerciantes e abriram um mercadinho. Era o fim das dificuldades financeiras e o início de um período de paz espiritual, porque agora podiam guardar o sábado, como recomenda a religião.


Dedicada esposa e mãe, a crença em Deus não impediu que uma grande tristeza tomasse conta de sua alma: um câncer nos ossos tirou a vida de seu filho de 19 anos. A perda a abateu profundamente, mas não abalou sua fé. “No dia seguinte ao enterro, me arrumei e fui à Igreja, adorar o meu Deus”.


Em 1994, Raimunda teve problemas cardíacos. Seu coração começou a crescer trazendo uma série de complicações para ela. Depois de dois anos de tratamento, passou a lidar com algumas limitações, pois o médico a proibiu de fazer o que mais gostava: cantar e caminhar. Na época, foi difícil para ela por que percorria quilômetros a pé realizando estudos bíblicos. Teimosa e independente por natureza, não obedeceu às últimas restrições médicas e fez outra promessa: se Deus a curasse, enquanto vivesse pregaria o evangelho. Hoje, ela continua viva e firme no cumprimento das promessas que fez há 15 anos. Mas o destino ainda lhe reservava momentos difíceis.


Um acidente de ônibus deixou seu esposo, com quem foi casada por 41 anos, paralítico. Após sete anos, ele faleceu. A religião é algo que sempre norteou sua vida. Considerada uma pioneira, sua figura é de grande importância para a comunidade adventista em Juazeiro, uma vez que ajudou na propagação da religião na cidade. Dos 53 anos da igreja Adventista na região, Raimunda participou ativamente nos últimos 40, construindo igrejas na cidade de Curaçá, no bairro Argemiro e em muitos outros.


Viver sozinha nunca foi uma boa opção para Raimunda. Sentindo-se solitária, com todos os filhos casados e fora de casa, cinco anos depois de ficar viúva resolveu casar-se de novo. Tanto para resolver o problema da solidão quanto para ter um companheiro que a ajudasse a difundir ainda mais sua religião. Em 20 de agosto do ano de 2008, casou-se com Pedro Alves, de 78 anos, praticante da mesma fé. “Ele é do Salitre, mas lá não tem igreja Adventista. Eu sei que este casamento foi arranjado por Deus, para que eu construa uma igreja lá”, acredita Raimunda.


Atento, o segundo esposo está sempre por perto, ouvindo as perguntas e respondendo-as como se lhe fossem dirigidas. Ele também quer contar sua história, mas vai ficar para uma próxima vez. Raimunda teve sete filhos, quatro homens e três mulheres. Uma morreu recém-nascida. Mas a vida lhe deu outra filha adolescente e com dois filhos, que ela ama tanto quanto os seus outros 17 netos.


Atualmente, seu mais novo projeto é a construção de uma igreja no projeto Salitre. Ela não economiza esforços, tempo e dinheiro para alcançar seu objetivo. “Deus tem feito muita coisa por mim. Sou feliz porque tenho Cristo”, declara.

                                                                                                                   Por Ana Paula Gomes

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